O pensamento de Delfim Netto

Ministro da Fazenda no Regime Militar, tendo ocupado tambémas pastas do Planejamento e da Agricultura. Detentor de alegados "plenos poderes" na gestão econômica do Ditadura Militar, seu nome ficou associado ao chamado "milagre econômico da década de 70". Antônio Delfim Netto formou-se em Economia pela USP, onde acabou tornando-se professor. Figura polêmica pela história vinculação de seu nome à Ditadura de 64, Delfim Netto é hoje copnsiderado um dos principais pensadores da realidade econômica brasileira. O artigo republicado abaixo é exemplar do pensamento deste controverso economista e nos traz uma importante análise sobre a relação estado/mercado/desenvolvimento.

O momento do PAC

Delfim Netto

Uma das causas mais importantes da queda do ritmo de crescimento do País foi a redução dos investimentos públicos, que se seguiu à superação do imenso desequilíbrio externo causado pelo aumento dos preços do petróleo a partir de 1979. A gravidade da situação pode ser vista no aumento da relação Dívida Externa Líquida/Exportação, um dos indicadores importantes de solvência externa. Passou de 1,4 em 1973 para 4,1 em 1983, ano em que o déficit em conta corrente foi eliminado com uma vigorosa desvalorização e uma queda substancial do PIB.

O reflexo do ajuste externo sobre as finanças públicas foi extraordinariamente complicado, pela existência de um generalizado sistema de correção monetária com graves conseqüências sobre a taxa de inflação. De 1986 a 1994, fizemos um longo e difícil aprendizado (meia dúzia de tentativas fracassadas) para recuperar a estabilidade monetária até obter a vitória com o brilhante Plano Real. A crise do setor externo e as conseqüentes dificuldades do ajuste das finanças públicas reduziram o ritmo de crescimento do Brasil.

Entre 1950 e 1984, crescemos à taxa de 6,5% ao ano. Entre 1985 e 2007, a taxa caiu para 2,9%. O motivo fundamental desse processo foi o maligno desenho do ajuste. Simultaneamente: 1. Aumentamos a carga tributária (de 26,5% do PIB em 1986, para 32,4% em 2002 e 37% em 2007), o que reduziu o investimento privado. 2. Elevamos a relação Dívida Pública Líquida/PIB (de 30% em 1994, para 50,5% em 2002 e ainda 42,8% em 2007), o que diminuiu o financiamento do setor privado e ajudou a reduzir o seu investimento. 3. Cortamos os investimentos públicos, que têm um enorme poder para aumentar a produtividade dos investimentos privados. Era mais fácil e mais cômodo para os governos reduzir o investimento público do que controlar as despesas de custeio e enfrentar a poderosa voz do corporativismo que se assenhorou do Estado.

O processo foi facilitado por duas circunstâncias. Primeiro, porque os governos nunca deram ênfase ao orçamento dos investimentos públicos, separando-o, tornando-o visível e comprometendo-se com ele. Ele sempre foi o “resto”. Era o que sobrava da péssima equação do malcheiroso ajuste fiscal (receita menos despesas de custeio mais déficit nominal desejado igual sobra para investimento). Segundo, porque nesses ajustes apoiados por FMI, Bird e BID, em lugar de eles exigirem um equilíbrio mais virtuoso, que levasse em conta a solvência da dívida pública dentro da perspectiva intertemporal (o que obrigaria cortar as despesas de custeio e privilegiar o investimento), esquivaram-se covardemente, ao alegar “respeito às decisões soberanas” do governo.

Foi assim, lenta e cinicamente, que ao longo de 20 anos matou-se por inanição o investimento público e tornou-se obeso o gasto de custeio. Este continua a crescer muito acima da capacidade de controle do governo, que, até hoje, não foi sequer capaz de impor-lhe um pouco mais de eficiência. Os dois gastos de investimentos da maior importância, educação e saúde (equivocadamente classificados como custeio), são realizados nos setores em que é cada vez mais visível a correspondência entre a voz alta das reivindicações corporativas e a diminuição da eficiência na prestação dos serviços.

A economia brasileira está novamente sob ameaça de estresse. Uma decisão do Congresso eliminou a CPMF e reduziu a receita do governo federal em 40 bilhões de reais, ou cerca de 1,4% do PIB estimado para 2008. Mesmo com todas as “acomodações” no orçamento e algumas medidas administrativas imediatas, é pouco provável que o governo não tenha de cortar ou adiar suas despesas em torno de 15 bilhões de reais, porque ele não deve fazer um déficit nominal abaixo de 2% e precisa de um superávit primário maior do que 3,5% do PIB, para manter a redução da relação Dívida Líquida/PIB. Esse comportamento fiscal é a condição necessária para ajudar o Banco Central a cumprir adequadamente o seu papel, numa situação mundial praguejada de grandes incertezas.

Aqui está a grande diferença da política econômica do segundo mandato de Lula em relação aos últimos 20 anos. O PAC tornou visível uma espécie de orçamento de investimento na infra-estrutura, com o qual o governo se comprometeu. Se realizado, vai sustentar um crescimento parecido com o de 2007. Pela primeira vez, numa geração, o governo vai acomodar suas despesas de custeio e poupar os investimentos.

Originalmente em CartaCapital

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