UMA MENSAGEM À MINHA FILHA



Natal 19 de junho de 2013
Querida Ana Paula,
                                 Tinha eu 18 anos, como tu tens agora, também era universitário de Geologia, em Belém do Pará e o Brasil passava por um momento de transformações. A inquietação que rondava os corações e as mentes martelava o juízo dos governantes, bem expressa na letra do Chico em o Que Será>
O que será que será
Que andam suspirando
Pelas alcovas?
Que andam sussurrando
Em versos e trovas?
Que andam combinando
No breu das tocas?
Que anda nas cabeças,
Anda nas bocas?

A ditadura expressa pelo general Figueiredo impunha alta do custo de vida, havia corrupção, mas principal bandeira era a luta por liberdade, por um país com justiça e igualdade, por um Brasil melhor.
Um agente da ditadura infiltrado na universidade deixou cair acidentalmente uma arma que disparou e matou um estudante, então o DCE (Diretório Central dos Estudantes da UFPa) convocou a primeira manifestação para lutar por liberdade e contra a violência. Eu e tua tia Cacilda nos fizemos presentes. Vimos que podíamos mobilizar para uma causa maior.
Tal qual hoje, o transporte era péssimo e caro, começou então a luta por meia-passagem para os estudantes e melhores condições de transporte. Passeatas saíam do campus da UFPa até o Palácio do Governo, Numa delas enfrentamos a repressão policial com cavalaria, bombas de gás, e outras coisas mais. Nosso grito era um só: meia-passagem, meia-passagem.
De repente, junto aos colegas da Geologia estávamos na ala do Alicerce da Juventude Socialista e alguém falava da necessidade de ter uma palavra de ordem mais forte. Juntamos várias cabeças, acostumadas a rimar tirando sarro do cotidiano e saiu o : Fora Figueiredo e o regime militar!/Meia-passagem agora, Diretas-Já!
Estava dado o sentido maior do protesto: a questão do governo.
Neste momento histórico que vive nosso país, onde milhares de jovens dão o tom de que o povo quer mudanças estruturais e não maquiagens de Copa do Mundo, em que estamos cantando com orgulho o hino nacional nas ruas, e não só em jogo da seleção de futebol, que agora é secundária, me encontro debilitado, acamado, impossibilitado de participar das passeatas. Ah como eu queria estar lá nas ruas de Natal neste 20 de junho...
E logo eu que participei das passeatas em Belém, das Diretas Já, do Lula-lá, do Fora Collor, agora não posso. Além do acidente que me impede de andar com segurança a forte gripe.
Mas vejo no brilho dos teus olhos e na tua empolgação de participar, o mesmo sentimento que tinha há 33 anos atrás, o de ser protagonista da mudança, e isso me orgulha.
Novas lutas, novas bandeiras, mas o senso de justiça, de um mundo fraterno e para todos e todas, da luta contra o machismo e contra os preconceitos, da defesa das minorias oprimidas, esse está dentro do meu coração e tenho certeza que do teu também.
Por isso, me alegra que estejas colocando as marchas em teu calendário, pois delas sairás mais forte, mais cidadã, mais brasileira. Vai prá rua filha, marche por ti e por mim, mas marche pelo nosso país, por aquilo de mais belo que tem essa causa: o Brasil.

Um comentário :

ptspinto disse...

que maravilha ! Movimento sem participação do governo, sem políticos, sem comando. VIVA O ANARQUISMO PURO !