A VIRGEM, O BODE E O SIMULACRO

Conta meu primo Edílson Moura, doutor em Física e pesquisador da Universidade de Coimbra, que recentemente um importante comerciante de palmeiras da região do Porto, após ver seus negócios falidos e vendo o crescimento dos negócios de seu vizinho, comerciante de pão de queijo, ao invés de se associar resolveu evitar que este último prosperasse. Teve a idéia de provocar um simulacro: construir um santuário no lugar da fábrica de pão de queijo que substituísse a Cova da Iria, maior local de visitação católica do mundo.

Antes de ter tido essa idéia, ele mesmo tentou viabilizar seu projeto. Procurou amigos, parceiros, governos e propôs ser o gestor da maior cidade tecnológica do globo. Dizia ser o responsável mundial das escolas de nanotecnologias, geotecnologias, biotecnologias e tudotecnologias. Por ter recusado parcerias no passado, por não respeitar seus próprios pares, não conseguiu agregar ninguém, nem junto à sua própria classe nem externamente a ela.

Enquanto isso, seu aliado crescia, amadurecia. Outrora fora um jovem impetuoso, competidor, entendia que o sucesso vinha sempre com o conflito. Hoje, mais maduro, preparado para os negócios globalizados, via as parcerias como o resultado da falsa disjuntiva conflito-consenso. Experimentara sucessos e derrotas e se preparara para entrar no século XXI com um discurso moderno, com novos paradigmas, "sin perder la ternura jamás".

Não conseguindo viabilizar seu intento, o palmeirense não sossegou, tomou emprestado um bode e disse a todo mundo que o animal também sabia chegar ao local onde em 1917 (ano da Revolução Russa) a Virgem Maria apareceu aos três pastorinhos - Jacinto, Francisco e Lúcia- no distrito de Santarém, Conselho de Ourém. Primeiro anunciou aos membros da Câmara de Lojistas do Porto e depois então para toda a cidade.

A cidade d'O Porto, cujo nome deu origem ao nome do país (Portus Cale), divide com Lisboa a importância urbana da terra de Camões, conhecida mundialmente pelo seu vinho, pelo Rio Douro e por suas lindas pontes. De construção pré-romana, sempre foi progressista e liberal, razão pela qual abriga o coração de Dom Pedro IV. Pela resistência dos seus habitantes contra a tirania miguelista, é conhecida como Cidade Invicta, além de adjetivos como "Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta"

Ora, pois, pois, os habitantes da maior cidade do Grande Rio do Norte de Portugal têm uma avenida importante, conhecida como avenida dos aliados. O comerciante palmeirense lá se concentrou e bradou aos quatro ventos na tentativa de arrecadar apoios para uma causa nobre e justa. Com esse feito, buscava recompor seu prestígio cada vez mais decrescente junto aos que o cercavam, admiravam e aos que lhe cobravam. Buscaria um consenso em torno do seu projeto, competindo com outros dois: um que visava dar vôo monitorado a uma lépida borboleta dourada e outro que consistia em distribuir um notebook a cada tripeiro (assim são conhecidos os habitantes da cidade).

Bradava o palmeirense, ladeado por um importante criador de gado nelore e pelo bode:
- Este projeto é um consenso, tem o apoio de todo mundo, do dono da fábrica de sabão que é presidente da Câmara Municipal e do presidente do Conselho dos Anciãos.

- Trazer a Virgem para a cidade da Virgem, esta é a palavra de ordem!


Ocorre que nem o gerente da fábrica de sabão, nem o nobre presidente se pronunciaram anteriormente sobre a proposta.

- Substituir a Cova da Iria? Que virgem é essa? Por acaso tem ela a devoção interna que o palmeirense diz ter? E o povo a conhece? Foi ela testada na devoção dos fiéis alguma vez? Obrou milagres? Inúmeras indagações se fizeram.

Pobre comerciante de pão de queijo, sua próspera fábrica estava ameaçada. Os tripeiros, acostumados que foram há muito tempo a entregar as carnes para comer apenas as tripas de resto, poderiam ficar sem a oportunidade de experimentar sua deliciosa receita. Num lance tirocinante, o galego produtor da iguaria mineira resolveu se dirigir ao dono da fábrica e ao presidente do Conselho de Anciãos, indagando:

- Por um acaso vossas excelências subscrevem a proposta do meu amigo palmeirense?

Até hoje está aguardando a resposta. Caso seja positiva, transformará a proposta em projeto e construção coletiva. Caso se demonstre que nunca houve consenso, se mostrará numa fraude onde o interesse não é o bem comum da vizinhança. Por não viabilizar seu projeto, o palmeirense preferiu acabar com pequena fábrica de pão de queijo a ajudar o amigo a prosperar e construir um projeto de sucesso.

4 comentários :

RILDO disse...

realidade e dura, mas não deixa duvidas, a inveja e as pretensões individuais não combinam com a construção coletiva,
parabéns pela parábola, pois ela nos traz varias reflexões alem de me lembrar de outra parábola interessante a "REVOLUÇÃO DOS BICHOS".

23 de Março de 2008 07:33

chuva fina é que é bom disse...
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Anônimo disse...
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Francy de Oliveira disse...

Francy disse...
E a Virgem se fez Luz?
Certíssimo, esse é o PT que nós conhecemos: competitividade interna e democrática. Nada mais válido para um partido que não aceita opiniões monopolizadas. Que venham as "virgens, os bodes ou quem quer que seja; mas antes uma perguntinha cabulosa: o "milagre" não seria algo amplamente dissiminado entre os fiéis e depois constatado pelas autoridades cabais? Se não conhecemos o "santo", ainda temos um "milagre"? Não sei não... É muita fé para tão pouca crença!!!